Senhoras do tráfico: abandono familiar como reação social à delinquência feminina

Abstract

O estudo da criminalidade feminina, ainda incipiente, revela suas peculiaridades. As causas, os motivos e as consequências da transgressão à norma penal são diferentes para homens e mulheres. Não obstante, o interesse acadêmico parece estar mais voltado àqueles do que a estas. A produção científica em torno da delinquência feminina é, em grande parte, rasa e pautada em estereótipos sobre a figura da mulher. Este trabalho objetiva demonstrar as consequências práticas da construção dos gêneros de forma verticalizada, com a subjugação social da mulher ao homem, no tratamento dispensado à mulher desviante, tanto pela ciência criminológica quanto pela sociedade em si. Para isso, partiu-se do conceito de abandono familiar de pessoas presas, evidenciando que este fenômeno é intensificado em relação à delinquente. No Brasil, mais de metade da população carcerária feminina responde por algum delito relacionado ao tráfico de entorpecentes. Portanto, buscando delimitar o universo analisado, o embasamento teórico, fundado essencialmente na conjugação das teorias do labeling approach com o paradigma do gênero, foi aplicado às estatísticas existentes sobre a prisão de mulheres por tráfico de drogas. Complementando a análise teórica, foi realizada a aplicação de questionários com 16 mulheres que cumprem pena por esse delito na Unidade Penitenciária Feminina de São Luís/MA. Foram coletados dados sobre renda familiar antes e após a prisão das entrevistadas, frequência das visitas eventualmente recebidas por elas, manutenção de relacionamento com o companheiro, visitas íntimas, etc. As informações foram relacionadas e comparadas a estudos já realizados sobre essa temática. O panorama traçado revela o abandono afetivo das mulheres presas por tráfico de drogas devido à percepção da sociedade quanto à delinquência feminina: a violação às normas estabelecidas sobre o gênero é somada ao desvio à norma penal. A mulher, então, perde a liberdade e os vínculos familiares, caracterizando a dupla punição da mulher delinquente. Os efeitos desse abandono foram verificados sobre os índices de reincidência e inserção no mercado de trabalho das mulheres entrevistadas nesta pesquisa, o que, por si, demonstra a importância deste estudo.